Consoante já advertiu o professor Clémerson Merlin Cléve, “a vida é muito mais rica e complexa que a melhor das teorias1”.
No Brasil, mesmo em condições de normalidade, os índices de produção legislativa e de demandas judiciais são reconhecidamente altos.
Porém, não parece utópico acreditar que parcela relevante dessa demanda tem relação com a mentalidade e postura dos indivíduos na compreensão e busca de efetividade de seus direitos, priorizando-se o conflito ao consenso, extrapolando-se, por vezes, o próprio bom senso.
É certo que dentre os direitos e garantias fundamentais previstas no artigo 5º da Constituição Federal está previsto que “II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, bem como que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, porém, a terceirização irrestrita e impensada da solução de conflitos pode, na prática, implicar na ausência de eficácia plena desses mesmos direitos fundamentais.
Apenas para exemplificar, pode ser observado o conflito entre a chamada indústria do dano moral e a chamada indústria do mero aborrecimento2, em que no intuito de se frear a suposta banalização do dano moral, por vezes, também resta banalizada, a contrário senso, a injusta ofensa moral, tratando-se efetivas lesões aos direitos de personalidade como meros aborrecimentos e negando-se a justa reparação.
É nesse contexto que se insere a importância da busca das partes por uma compreensão dentro da razoabilidade, priorizando-se, quando possível, pela solução amigável dos conflitos e evitando-se excessos.
Tal concepção parece se fortalecer ainda mais diante da atual pandemia que assola o país.
Com as recomendações/imposições para o isolamento social, a proibição de abertura do comércio, o cancelamento ou adiamento de vários eventos, a transformação de cursos presenciais em online, etc., proliferam-se diversas situações potencialmente geradoras de conflitos que em tempos de normalidade poderiam não ocorrer ou ocorriam em número bem menor.
Nesse contexto, a produção legislativa e jurisprudencial tem se intensificado na busca de soluções aos problemas decorrentes, surgindo proposições normativas e decisões judiciais nos mais variados sentidos, por vezes, flexibilizando ou até invertendo institutos jurídicos há muito consolidados, aumentando a insegurança jurídica.
Observe-se os seguintes exemplos:
Projeto de Lei 1.179/20 do Senado: Dispõe sobre o Regime Jurídico Especial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19)
Comerciante com atividades suspensas devido à pandemia deve continuar pagando aluguel3
Por crise do coronavírus, decisões judiciais suspendem aluguéis4
Loja em aeroporto consegue suspender aluguéis durante pandemia5
TRF-4 derruba liminar que suspendia pagamento de aluguel de lojista em aeroporto6
COVID-19: TJPR suspende decisão que liberava o acesso às praias de Guaratuba7
Nessa linha, vez mais a importância da busca pelo equilíbrio se reafirma. Inundar os tribunais com uma enxurrada de novas ações não parece ser o melhor caminho, pois, a par da oscilação de entendimentos, eventuais excessos podem, inclusive, gerar um resultado contraproducente à garantia de direitos dos cidadãos, vez que o temor por um colapso do sistema judiciário pode ensejar a consolidação de uma jurisprudência defensiva tendente a desestimular o aumento da demanda.
É certo que as situações concretas em que não se apresente possível a solução amigável na via conciliatória extrajudicial deverão ser levadas ao Poder judiciário, devidamente fundamentadas, para a adequada pacificação com justiça. O que não parece razoável é a generalização de situações tendentes ao abarrotamento dos tribunais.
Tome-se como exemplo a transformação compulsória, ainda que apenas por um período, das aulas presenciais em tele presenciais. Em um primeiro momento pode-se pensar na imposição da revisão contratual em favor do contratante, vez que o custo da instituição de ensino seria menor nessa nova modalidade e, portanto, deveria implicar, indiscriminadamente, na redução dos valores inicialmente cobrados para a prestação do serviço. Mas, e se a instituição de ensino tiver que investir um valor ainda maior para o aparelhamento necessário à disponibilização das aulas em ambiente virtual? Há também que se considerar hipóteses em que a revisão contratual deverá ser em favor da empresa, pois foi ela a vítima do desequilíbrio.
Dessa forma, a prudência e a razoabilidade se apresentam como posturas com alto potencial construtivo para o enfrentamento desse momento tão delicado e indesejável que o país enfrenta.
O CAMARGO & BORGES SOCIEDADE DE ADVOGADOS preza pelo atendimento personalizado de seus clientes a fim de contribuir para a solução que se apresente a mais adequada ao caso concreto, contando com parcerias altamente qualificadas que permitem a abordagem especializada e interdisciplinar das questões.
1 CLÉVE, Clémerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 255.
2 Interessante texto nesse sentido pode ser encontrado em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/270552/a-industria-do-dano-moral-versus-a-industria-do-mero-aborrecimento>.
3 Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/324184/comerciante-com-atividades-suspensas-devido-a-pandemia-deve-continuar-pagando-aluguel>.
4 Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/324677/por-crise-do-coronavirus-decisoes-judiciais-suspendem-alugueis>.
5 Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/323932/loja-em-aeroporto-consegue-suspender-alugueis-durante-pandemia>.
6 Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/324688/trf-4-derruba-liminar-que-suspendia-pagamento-de-aluguel-de-lojista-em-aeroporto>.